domingo, 9 de agosto de 2009

INTRODUÇÃO

A partir do trabalho de Carl Rogers, a Abordagem Centrada na Pessoa constituiu-se como uma vigorosa opção, com amplas possibilidades de aplicações no âmbito das relações humanas, no campo da psicologia e da psicoterapia, da pedagogia, do trabalho com grupos.
Algo que se pode com certeza dizer de Rogers, é que ele esteve produtivamente à altura de seu tempo e lugar.
Trabalhou intensamente, desde a primeira metade do século, na constituição de sua abordagem. A partir de sua formação, no âmbito da cultura e do meio da psicologia e, posteriormente, da psicoterapia norte americanas, Rogers soube usufruir produtivamente de influências da cultura chinesa, que então chegavam aos EUA, e à qual visitou na juventude; soube usufruir essencial e produtivamente das perspectivas da fenomenologia e do existencialismo em psicologia e psicoterapia, que igualmente chegavam, então, aos Estados Unidos, através, em particular, da psicologia organísmica de Kurt Goldstein, e da influência de intelectuais europeus e de dissidentes do movimento psicanalítico, como Otto Rank e Ludwig Binswanger, influências que fecundavam poderosamente o meio da psicologia e da psicoterapia norte americanas, redundando no desenvolvimento da psicologia humanista.
O trabalho de Rogers, a abordagem centrada na pessoa, foi, e é, um dos grandes tributários deste movimento, que contava com as contribuições de figuras como, A. Maslow, R. May, A. Angyal, e com a contribuição de todo o processo fermentativamente produtivo que a cultura norte americana desenvolveu a partir das influências que lhe chegavam da Europa, no período imediatamente anterior, durante e posteriormente à segunda guerra. Rogers usufruía de um modo igualmente produtivo, da influência do meio da Psicologia e da Cultura Norte Americanas, em especial da ampla influência de William James, e de pensadores como R. W. Emerson. As cisões provocadas por C.G. Jung no movimento psicanalítico, e, em particular, a nietzscheana influência de Otto Rank, e as concepções de Martin Buber tiveram um papel fundamental no desenvolvimento das perspectivas, teorias e práticas de Rogers.
A partir de sua formação, Rogers cuidou de desenvolver os antídotos pragmáticos para as tendências fortemente abstracionistas, filosofantes e teorizantes das influências que lhe chegavam a partir da filosofia e da psicologia e psicoterapia fenomenológico existenciais européias.
A abordagem de Rogers desenvolveu-se, e ganhou autonomia própria, e ousadia para influenciar criativamente todo o ambiente que a engendrara, e, de um modo geral, à psicologia e à psicoterapia em todo o mundo.
A partir de suas influências, o trabalho de Rogers configurou-se significativamente, em importantes de suas dimensões, como um processo de desconstrução: desconstrução de um modelo clínico de psicoterapia, fortemente baseado, freqüentemente, numa perspectiva empirista e aniquiladora. Desconstrução de uma concepção empirista e objetivista, por um lado, da pessoa e do cliente, ou de uma concepção universalizante e universalista deles. Desconstrução de uma perspectiva autoritária e manipulativa nos trabalhos com grupos e na relação com o cliente individual. Desconstrução da possibilidade de uma exclusividade ou hegemonia da Psicanálise, e/ou do Comportamentalismo.
Propôs, alternativamente, um modelo fenomenativo existencial de psicologia, de psicoterapia, de trabalho com grupos, de pedagogia, centrado fundamentalmente, não na aplicação de teorias e de técnicas, mas na relação fenomenativa existencial atual entre seus agentes. Propôs, em particular, uma opção de exercício do poder, fundada na valorização dialógica da atualidade e em referenciais fenomenativos e existenciais.
Rogers contou, no fluxo de seu processo produtivo, com o impulso vigoroso do movimento de certos segmentos culturais da sociedade mundial e norte americana, nas três primeiras décadas da segunda metade do século, de cunho fortemente existencial e libertador.
Por outro lado, foi heterogêneo com relação às tendências fortemente religiosas de negação do corpo e da vida, e com relação as tendências fortemente empiristas da cultura norte americana, de onde ele próprio provinha.
Estas tendências fortemente religiosas e de negação do corpo e do vivido, não obstante, têm cobrado um pesado tributo da fenomenologia e do existencialismo, como fundamentos da ACP e da psicologia e psicoterapia fenomenativa existencial norte americana. Na medida, em particular, em que desenvolveram progressivamente, e desenvolvem, um forte movimento reativo contra a perspectiva fenomenal e contra uma postura de afirmação do corpo e de afirmação da vida, levando estas abordagens, às vezes fortemente, a acentuadas distorções pragmático empiristas ou idealistas, ligadas à perspectiva de um ideal ascético, e potencializadas pelo desconhecimento dos seus fundamentos e raízes fenomenativas e existenciais.
Disseminando-se pelo mundo, a ACP desenvolveu-se na América Latina e no Brasil, configurando-se como uma opção extremamente rica, no campo das psicologias, das psicoterapias, pedagogias e modelos de trabalhos com grupos de cunho fenomenológico existencial. Tem também sofrido críticas intensas, tanto de seus praticantes como de fora da comunidade destes. Estas críticas parecem estar surtindo o seu efeito, na medida em que têm potencializado uma reflexão sobre os seus fundamentos e sobre as suas distorções. Na medida, em particular, que têm possibilitado uma reflexão sobre nossa posição específica, enquanto brasileiros, latino-americanos, no contexto da teoria e da prática desta abordagem.
Acredito que uma parte fundamental deste processo, e do processo de desenvolvimento da ACP, é esta reflexão sobre seus os fundamentos fenomenológico existenciais, a recuperação e a explícita reiteração destes fundamentos. Na medida em que, em função de toda a distorção pragmático empirista e idealista, eles ficaram freqüentemente confusos e até esquecidos.
É nesta perspectiva que se inserem os ensaios deste livro.
Busco nos três primeiros capítulos indicar os fundamentos fenomenativo existenciais das chamadas condições facilitadoras básicas: a consideração positiva incondicional, a compreensão empática e a genuinidade. Dedico um capítulo à discussão da concepção de avaliação organísmica da experiência, a partir de sua perspectiva fenomenativa existencial. Discuto, em um outro capítulo – De Como Psicólogos e Psicoterapeutas Aprendem a Fenomenologia e o Existencialismo --, o modo como psicólogos e psicoterapeutas aprenderam a fenomenologia e o existencialismo e como elas lhes servem em suas concepções e trabalhos, a partir, em particular, da valorização de uma atitude fenomenológica, e da valorização de uma atitude e de valores de afirmação da vida.. Comento, num outro capítulo – Fenomenação --, o modo eminentemente ativo da concepção do fenomenal em psicologia e psicoterapia, em contraposição com tendências que escorregam para a valorização de uma perspectiva reflexiva por sobre a perspectiva do vivido. No último capítulo – Fatal Mesmo é Crer na Fatalidade --, busco expor alguns aspectos que me parecem fundamentais na contribuição da perspectiva dialógica da filosofia da relação de M. Buber para a psicologia e psicoterapia fenomenativa existencial.
Como se pode observar, não pretendo estabelecer verdades, mas fazer jus ao legado de Rogers e dos psicólogos e psicoterapeutas fenomenológico existenciais, assim como fazer jus a nós próprios em nossa atualidade e realidade, pela discussão do que me parecem pontos de interesse para o desenvolvimento da perspectiva desta abordagem e da perspectiva da psicologia e psicoterapia fenomenativa existencial.
Agradeço a todos os colegas que leram discutiram e revisaram os originais, em especial a Diana Belém que, emprestando sua competência, leu, exaustivamente discutiu e revisou, além de me ter honrado com a apresentação.